28/07/2025

Empresas tentam evitar a perda de bilhões de reais em créditos de ICMS

Por: Marcela Villar e Beatriz Olivon
Fonte: Valor Econômico
Empresas têm começado a reestruturar operações para evitar perder bilhões
de reais em créditos acumulados de ICMS com a reforma tributária.
Segundo advogados, companhias têm entrado com ação na Justiça para
acelerar processos administrativos que devolvem e permitem a venda de
créditos para terceiros. Outras têm criado uma nova atividade econômica
para usar os valores a tempo e uma parcela menor vem optando pela cisão
de parte da empresa do grupo para pagar tributos com o estoque fiscal.
O acúmulo de créditos a recuperar pelas companhias é bilionário. Só no Paraná,
por exemplo, existem R$ 3,2 bilhões já habilitados para serem devolvidos às
empresas. Outro R$ 1,3 bilhão está na fila para análise, informou a Secretaria
de Estado da Fazenda ao Valor. Em São Paulo, a liberação dos montantes é
feita pelo programa ProAtivo, mas desde maio de 2024 não há nova rodada
para devolução dos valores. Por isso, várias empresas tiveram que ir à Justiça
para obter o direito ao recebimento imediato (leia mais em Justiça paulista
permite venda imediata de saldo credor).
A preocupação é maior entre exportadoras. Isso porque a saída de mercadorias
do país é isenta de ICMS. Assim, quando elas pagam o tributo no início da
cadeia, obtêm o crédito do imposto, mas depois não têm débitos para
compensar. É o caso, por exemplo, da Suzano, que tem R$ 1,678 bilhão de
créditos acumulados de ICMS. Ela tem mais R$ 476 milhões frutos da aquisição
de ativo imobilizado, totalizando R$ 2,154 bilhões no estoque. Desse total, R$
1,627 bilhão não poderá ser aproveitado e foi provisionado.
A Suzano conseguiu reduzir um pouco do prejuízo ao vender R$ 62,4 milhões
de ICMS acumulado no Espírito Santo - um dos Estados de concentração do
estoque, assim como o Maranhão, Mato Grosso do Sul e São Paulo. A principal
estratégia da empresa é vendê-los a terceiros, após aprovação das Secretarias da
Fazenda. Mas também os tem absorvido “por meio do consumo em suas
operações de bens e consumo (‘tissue’) no mercado interno”.
As informações estão no mais recente formulário de referência, publicado em
maio - assim como das outras companhias citadas nesta matéria. Referem-se ao
acumulado até março de 2025. Outros exemplos são a Assaí, que acumula R$
1,4 bilhão em crédito; a Eldorado, com quase R$ 1 bilhão - mas só consome
trimestralmente R$ 3,7 milhões; a JBS, que tem R$ 4,1 bilhões de ICMS, IVA,
VAT e GST (equivalente ao ICMS de outros países); e a CSN, com R$ 1 bilhão.
Segundo a siderúrgica, o acúmulo se deve principalmente ao ICMS que incide
sobre as compras de insumos e ativo imobilizado. Mas, aparentemente, o valor
tem sido compensado “naturalmente”. “Com base em análises e projeções da
administração, a companhia não prevê riscos de não realização destes créditos”,
afirmou.
A pressa das empresas tem a ver com alguns dispositivos da reforma que podem
dificultar e alongar a restituição dos créditos. O novo sistema, segundo
tributaristas, melhorará o futuro, mas será preciso lidar com a “herança” do
ICMS do passado.
Segundo técnicos do Ministério da Fazenda, a Emenda Constitucional da
reforma e o PLP 108/2024 que a regulamentará preveem que os saldos credores
de ICMS existentes no fim de 2032, quando o tributo estadual for extinto,
poderão ser compensáveis com o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Mas
existe um longo processo de homologação - o Estado tem dois anos para validar
os valores - e a devolução será feita em 240 parcelas (20 anos), corrigidas pelo
IPCA.
Só após o aval do Comitê Gestor que a empresa pode usar os créditos. Se não
tiver com o que compensar, pode vender a terceiros ou pedir ressarcimento,
também feito em 20 anos. Segundo Daniel Loria, do Loria Advogados e exmembro
da secretaria extraordinária da reforma tributária, esse prazo foi
acordado com os Estados.
O tributarista defende que a regra é melhor do que a atual, mas ainda deixa
incertezas. “Haverá uma regra clara do recebimento, mas o problema é ter
certeza de que o Estado homologará os créditos, o prazo é longo e a correção
é baixa”, disse. “A correção pela inflação e não pela taxa de juros da economia
real é uma grande diferença a favor dos Estados".
O advogado explica que, hoje, “tem empresa com crédito ligado a benefício
fiscal, então alguns Estados resistem em permitir o uso desse crédito e elas
ficam acumulando”. Na reforma, ainda não há definição clara sobre como a
homologação será feita. “Cada Estado terá que ter seu procedimento, mas após
a homologação o crédito será devolvido corrigido em 20 anos”.
Nova regra é melhor do que a atual, mas ainda deixa incertezas”
— Daniel Loria
Para Daniel Moreti, sócio do FMIS-LAW, o prazo de devolução em 20 anos é
muito longo. "É uma moratória, muito agressivo para qualquer fluxo de caixa",
diz. A reforma deveria, diz ele, prever alternativa para acelerar o uso ou venda
desses créditos. "No caso do ICMS, a empresa só pode vender se o Estado
deixar e ele quer proteger as finanças, então não vai permitir essas
transferências, porque vira moeda para pagamento de imposto".
A venda de créditos não é uma opção fácil. "Alguns fornecedores aceitam ser
pagos com crédito de imposto, mas isso é limitado, porque algumas também
têm estoque de créditos", diz Moreti.
Outra saída encontrada é a venda de parte da operação de uma empresa. “Os
créditos têm movimentado o mercado de fusões e aquisições por serem um
ativo importante”, diz o tributarista André Buttini Moraes, sócio do escritório
ButtiniMoraes. “As empresas estão considerando tanto reorganizações
societárias dentro do mesmo grupo econômico, quanto aquisições de novas
unidades de negócio para escoamento de crédito", afirma.
A boa notícia, diz Moreti, é que o novo sistema pode melhorar o futuro. "Esse
tipo de problema não deve existir com o IBS e CBS, porque foi feito um
desenho para o contribuinte usar o crédito rapidamente na operação ou receber
em dinheiro em um prazo muito menor do que o atual", diz, mencionando os
90 dias da lei.
André Horta Melo, diretor institucional do Comitê Nacional de Secretários de
Fazenda, Finanças, Receita ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal
(Comsefaz), diz que não haverá muita diferença em relação a hoje: quem não
tem como compensar vai ter o ressarcimento em dinheiro pelo Comitê Gestor.
Se em algum Estado for necessário aperfeiçoamento na compensação, isso
acontecerá no contexto do IBS, segundo Horta, porque a alíquota de referência
cobrirá a compensação devida a contribuintes.
O auditor fiscal da Receita Estadual de São Paulo Rodrigo Spada, presidente da
Associação Nacional de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite), diz que a
tendência é o saldo credor diminuir ao longo da transição. “Conforme vai
reduzindo o ICMS e aumentando o IBS, nossa expectativa é que reduzam em
50% os estoques fiscais”, diz.
Segundo Spada, o que está no PLP sobre as compensações dará “uma
tranquilidade para o contribuinte, mas talvez não como ele gostaria”, diz,
referindo-se aos prazos alongados e correção. Mas, para ele, uma melhoria é
repassar essa responsabilidade que hoje é dos governos estaduais para o Comitê
Gestor.
“O comitê tem um lastro muito maior, porque é um órgão mais técnico do que
governadores e secretários de Fazenda, que são políticos”, afirma.
Com o Comitê Gestor, que deve arrecadar R$ 1 trilhão por ano, não deve existir
tanta demora na liberação, segundo Spada. “Ele não tem outras despesas e outra
função que não a de fazer a arrecadação e distribuição do recurso”, diz. “Isso
traz segurança jurídica para os contribuintes na devolução dos créditos”,
adiciona.
A Suzano disse ao Valor que "adota, de forma contínua, mecanismos legais de
gestão de créditos visando dar vazão ao acúmulo". "A efetiva utilização depende
da dinâmica operacional e da regulamentação vigente nos Estados". Sobre a
reforma, afirmou que "acompanha de forma próxima e técnica" e "está
avaliando os potenciais impactos da transição, inclusive no que se refere ao uso
dos créditos acumulados, sempre com foco na eficiência e aderência ao novo
modelo".
A Eldorado não quis comentar. A CSN, JBS, Assaí e Sefaz-SP não deram
retorno até o fechamento desta matéria.